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domingo, 25 de novembro de 2018

Participa da minha Loucura


Vem.
Participa da minha loucura
e mata-me aos poucos.
Como eu gosto.
Sê meu cúmplice
e mata-me aos poucos.
Bebe-me quente, em dose única.

Participa da minha loucura
e esfrega-me em teu corpo áspero.
Deposita-me no chão frio e úmido
e cospe-me qualquer palavra dita.
Maldita hora em que me conheceste,
pois agora, hás de convir que é tarde demais.
Não desiste. Vai até o fim.
Sou eu quem está pedindo.
Bate-me, maltrata-me
e cospe-me qualquer palavra quente.
Maldita gente rude...

Participa na minha loucura e mata-me aos poucos.
Como eu gosto.
Mata-me lento e degusta a minha sorte.
Sê meu cúmplice.
Vou amar-te e levar-te à morte.

foto: Duda Las Casas

*este texto escrevi para meu espetáculo solo de dança e teatro "Mulher Selvagem". A estreia foi em 2007, no Sesc Ribeirão Preto, SP.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Um Nome

Um nome!
É a única coisa que quero.
É a única coisa que preciso para voltar a existir.
Não precisa ser um nome composto.
Pode ser um nome simples, mas que tenha letra maiúscula.
Onde foi que perdi o fio?
Encontra a ponte e devolve meu nome.
Salva-me.
Antes que eu acabe com tudo.
Antes que eu me perca definitivamente em tuas florestas sombrias, antes que eu seque em teus desertos e me arranhe em teus espinhos.
Só eu posso te fazer sangrar muito e te afogar em tuas próprias lágrimas.
Salva-me enquanto é tempo.
Devolve o meu nome!

*escrevi este texto para o espetáculo “Mulher Selvagem”, primeiro solo da “Trilogia do Feminino”.


*Foto: Rony Moby (a foto foi na estreia do trabalho, no Sesc Ribeirão Preto, em 2010)

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Sapatos Vermelhos

Como foi que fiquei assim?

Os meus sapatos vermelhos eu mesma fiz com os retalhos que encontrei pelas ruas onde vivi. Eram o orgulho, a honra e a sobrevivência dessa pobre menina, durante o inverno.

Um dia vi uma carruagem dourada se aproximando. Ela parou do meu lado e de dentro dela uma velha senhora me convidou para ir com ela. Fui. Acreditei que o que ela me ofereceria seria muito melhor do que o que eu tinha!

Chegando na mansão da velha havia roupas e sapatos novos para mim. Tudo era bege claro. Me troquei e quando me dei conta, ela, a senhora, havia jogado os meus sapatos vermelhos na lareira.
Não deu para salvar nada. Restaram as cinzas. Cinzas e “beges claros”.

Ela quis que eu fizesse a primeira comunhão. Saímos para comprar sapatos novos para este evento tão importante para ela.
Entramos em uma loja onde havia um lindo par de sapatos vermelhos. Era tudo o que eu queria, mas a senhora nunca permitiria. Que que eu fiz? Na hora de embalar, troquei os sapatos beges horrorosos que ela havia comprado para mim, pelos vermelhos. Pronto. Estava feito.

Chegado o grande dia, na hora de entrar na Igreja, pus os meus sapatos vermelhos e entrei triunfante! A Igreja se calou. Em seguida as pessoas começaram a sussurrar coisas infames a meu respeito: “mulher...artista...vagabunda...” Até que alguém que nunca pecou atirou a primeira pedra. Começaram a gritar para que eu saísse dali.

Só que ao invés de correr eu comecei a dançar. Dancei. Linda e poderosa uma dança que só eu poderia dançar. Quanto mais gritavam, mais eu girava, pulava e gostava. Eu não pertencia àquele mundo hipócrita.

Desci a escadaria da Igreja aos saltos e fui dançando por toda a cidade, em cada canto, em cada gueto, livre!
Até que quis parar e vi que não podia. Não mais. Não conseguia mais parar. Eram os sapatos que dançavam agora. Descontrolados. Eu apenas os obedecia. Eles dançaram em direção à floresta, rumo à casa de um carrasco. Pensei ser a minha salvação, pois se ele cortasse as fivelas eu me veria livre dos sapatos! Só que não deu certo. Eu estava grudada neles. A verdade é que eu já pertencia a eles há muito tempo e eu estava exausta.

O carrasco olhou para mim. Ele era forte e cruel, é verdade. Mas era ele  quem estava do meu lado.

Eu não tinha escolha. Eu não tive escolha. Ele tinha um machado nas mãos. Foi quando olhei no fundo dos seus olhos e lhe dei uma ordem :
- “CORTA OS MEUS PÉS.”

*livre adaptação que fiz, à partir do livro "Mulheres que Correm com os Lobos", para meu solo "Mulher Selvagem".



foto: Jorge Etecheber

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Falo Por Ti


Fiz este poema em 2008, para o espetáculo "Faladores", da Cia Mário Nascimento:

Se eu por tantas vezes te perdi
Num sinal de total abnegação
Não foi essa a minha intenção
Eu quero aquela que estava aqui
Agora falo por mim e falo por ti
Venha já para me confortar direito
Quero de volta a palavra no meu peito
Libertando tudo o que estava trancado
E me diz o que foi que fiz de errado
Para vocês me olharem desse jeito?

Agora falo por mim e falo por ti

Venho tentando um discurso eloquente
Não importa se você não entende agora
Afinal são tantas línguas mundo afora
Pois vivemos na Babel inconsciente
Acreditando na mesma força onipresente
Chamada Deus, Jeová ou outro eleito
Presidente, governador, prefeito,
Mestre, doutor ou bem letrado
Qual palavra foi entendida errado
Para você se olharem desse jeito?

Agora falo por mim e falo por ti

foto: Cláudio Etges


domingo, 4 de novembro de 2018

Nunca vi isso

Nunca vi uma comemoração como essa. Com tanto ódio. No domingo à noite eu estava no carro com meu companheiro, passando pela Savassi, um grupo grande de eleitores de Bolsonaro no semáforo no cruzamento de Getúlio Vargas com Cristóvão Colombo exigiam que todos os carros ficassem buzinando em comemoração. Os carros que não buzinavam eles atacavam, chegando a cara no vidro e gritando: “petistas têm que morrer”! Foi muito intimidador. Fiquei com medo.
Às minhas amigas e amigos que votaram nele e que me disseram várias vezes que não vai ter ditadura, que eu estava exagerando, vocês acham correto esse comportamento? Eu sou obrigada a buzinar em comemoração?
Às minhas amigas e amigos, às mães e pais de colegas minhas, que me conhecem desde que sou garota, vocês acham que sou uma “petista que tem que morrer”?
Será que vocês entendem que nem todo eleitor de Bolsonaro é fascista, mas todos os eleitores fascistas votam nele?
Vocês acham que sou uma comunista? vocês sabiam que não tem comunismo no Brasil?
Vocês entendem que todas as palavras de ódio que o candidato de vocês proferiu deu aval à violência dos eleitores dele?
Se vocês, meus amigos, não são capazes de cometer esse tipo de agressão, vocês acreditam em mim quando digo que há uma grande parte dos eleitores dele que aprova isso?
Vocês acham certo a PM ter invadido dezenas de Universidades há uns dias atrás?
Vocês acham certo o vídeo de Bolsonaro que está circulando dizendo para os alunos filmarem os professores que estiverem “contra” o pensamento dele? Vocês entendem a gravidade disso?
Vocês vão continuar negando isso até quando?
Que preço foi esse que vocês escolheram pagar?
Vocês sabiam que existem vídeos sendo disseminados onde continuam alimentando esse tal ódio aos “comunistas”? Vocês sabiam que para ser chamado de “comunista” basta não ter votado no Bolso?
Meus amigos e amigas que votaram nele, vocês sabiam que o ódio continua sendo plantado?
E vocês? Foram contaminados por isso também? Ou será que agora começaram a entender o que está acontecendo aqui?
Vocês vão me defender quando me agredirem? Ou vocês vão inventar que sou “comunista” e que mereço ser agredida?
Vocês querem que me espanquem? Que sumam comigo? Que me matem?
Vocês acham que vocês terão controle sobre a grande parte de eleitores dele que está dizendo (alimentada por vídeos e memes produzidos pela equipe dele) que gays têm que morrer?
Tudo isso é normal para vocês? Vocês vão me ajudar? Vocês vão me proteger? Vocês vão me defender?
Ou vão continuar fingindo que não estão vendo?

foto: Duda Las Casas

A Dança Resiste



Antes do segundo turno, alguns artistas da dança se uniram e fizeram este vídeo:



“Nós somos artista da Dança.
Nós somos brasileiros.
Nós somos a favor da democracia.
Nossa categoria lutou muito para conquistar respeito.
A Dança é o nosso trabalho.
Há um candidato que é uma ameaça para nossa categoria.
Ele é contra qualquer tipo de Fomento à Arte, pretende acabar com o Ministério da Cultura e afirmou que vai acabar com o ensino da Dança nas escolas.
Nós, artistas da dança viemos dizer não a este retrocesso.
Nós não apoiamos um candidato que exalta a repressão e a tortura.
Nós não apoiamos um candidato que exalta a homofobia e a violência.
Nós não apoiamos um candidato que despreza as mulheres.
Nós não apoiamos um candidato racista.
É importante que todos os artistas, profissionais e estudantes de Dança saibam que nós somos vítimas em potencial em um governo fascista.

A DANÇA RESISTE”